Avenida Senador Salgado Filho, 4551 - Uberaba - Curitiba/PR
- (41) 3278-7517
- (41) 3278-5889
O Simples vai crescer. Mas há quem diga que ele deveria encolher
O Banco Mundial e economistas liberais dizem que o programa estimula a ineficiência e prejudica as contas públicas. Os defensores do regime especial rebatem falando de justiça fiscal e inclusão social
O Simples Nacional vai crescer em 2018. Mas há quem diga que ele deveria ser reformulado, reduzido ou até extinto.
Nunca foi tão importante estar bem informado.Sua assinatura financia o bom jornalismo.
Os defensores desse regime tributário – que simplifica e reduz o pagamento de impostos de pequenos negócios – exaltam seu sucesso na geração de empregos e na sobrevivência de micro e pequenas empresas, que garantem renda a milhões de brasileiros. Apenas entre janeiro e outubro deste ano, elas geraram 463 mil empregos com carteira assinada, ao passo que as médias e grandes fecharam 179 mil postos de trabalho.
De outro lado, economistas liberais sustentam que o Simples dá sobrevida a empresas ineficientes, contribuindo para eternizar a baixa produtividade da economia nacional, e drena recursos públicos que poderiam ter outro destino. A Receita Federal estima que em 2018 deixará de arrecadar R$ 81 bilhões por causa do programa, que é, de longe, a maior renúncia fiscal do país.
O debate esquentou com a publicação, em novembro, do relatório “Um ajuste justo”, do Banco Mundial. Encomendado em 2015 pelo então ministro da Fazenda Joaquim Levy, o trabalho analisa a eficiência e a equidade das principais políticas de apoio ao setor privado. E faz críticas pesadas ao Simples.
Os técnicos do Banco Mundial afirmam que o regime é “caro e potencialmente distorcivo”. Ele custa o equivalente a 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, bem mais que programas similares de países como Chile, Argentina, México, África do Sul, Índia e França, onde o incentivo não passa de 0,1% das riquezas nacionais.
Na visão do Banco Mundial, o Simples estimula as empresas a continuar pequenas, para não pagar mais impostos. Reduz a carga tributária de profissionais liberais de alta renda, que assim são menos onerados que assalariados mais pobres. E prejudica a competitividade de companhias de médio porte, que recolhem tributos mais elevados.
Quem paga a conta, diz o relatório, são empresas “que poderiam crescer e gerar mais empregos para os que se encontram atualmente desempregados, ou para trabalhadores subempregados e menos privilegiados”.
“Seria benéfico reformar esse programa para torná-lo menos custoso e mais eficaz no que diz respeito ao estímulo à formalização, ao rápido crescimento das empresas mais produtivas e ao aumento da geração de empregos”, propõe o Banco Mundial.
O estudo ecoa, em parte, antigas críticas da Receita ao regime especial, que nasceu em 1997 abrangendo apenas tributos da União e, dez anos depois, passou a unificar a coleta de oito impostos federais, estaduais e municipais.
Em relatório de 2015, o Fisco aponta que o conceito de pequena empresa usado pelo Simples é muito abrangente. Para se enquadrar no programa, as empresas podem faturar até R$ 3,6 milhões por ano, limite que subirá para R$ 4,8 milhões a partir de janeiro. O teto é bem mais alto que o de regimes semelhantes em países como México, Chile, África do Sul, Japão, Itália e Canadá, onde o limite máximo variava de R$ 1 milhão a R$ 1,5 milhão em 2015.
O limite mais generoso do Simples não é suficiente para desestimular a sonegação. Segundo a Receita, a movimentação financeira total das microempresas equivale a 2,3 vezes a receita bruta que declaram ao Fisco. Entre as firmas de pequeno porte, a relação é de 1,4. Se declarassem tudo o que faturam, muitas das optantes acabariam desenquadradas do regime.
Também é comum o que a Receita chama de “fracionamento abusivo”. Para não superar o teto de faturamento do Simples, muitas empresas se desmembram em dois, três ou mais CNPJs. Assim, continuam usufruindo os benefícios fiscais mesmo que já não sejam verdadeiramente pequenas.
Justiça fiscal e inclusão social
O presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos, rebate os argumentos do Banco Mundial e da Receita Federal. Um dos idealizadores do Simples, ele define o regime como “um dos maiores programas de justiça fiscal e inclusão social do mundo”.
“A Receita é um adversário histórico do Simples. E foi pedir ajuda ao Banco Mundial, que está mais para a turma de Davos, que é fria e distante”, disse Afif à Gazeta do Povo, referindo-se ao vilarejo suíço que abriga o Fórum Econômico Mundial. “O Banco Mundial não conhece a realidade brasileira. Não conhece os grotões, o Brasil profundo. Se tiver médias e grandes empresas em 200 municípios, é muito. Nos 5,3 mil restantes, o ambiente é de micro e pequenas empresas, em cada esquina, em cada bairro, em cada casa. Algo que os economistas, principalmente os ligados ao mercado financeiro, teimam em ignorar.”
Aqui entram questões de ordem cultural e prática. O discurso da produtividade, enfatizado pelos liberais, não cola tão fácil em grandes setores da população e até do empresariado brasileiro. Nem todo consumidor gostaria de trocar a padaria familiar da esquina – que emprega gente do bairro e sobrevive na formalidade graças ao incentivo fiscal – por uma megapanificadora moderna, impessoal e distante de casa só porque isso ajuda a produtividade nacional.
Para Afif, o que limita o crescimento das pequenas empresas não é o Simples. É o “complicado”. “Ninguém precisaria do Simples se o resto não fosse complicado. Não vi crítica do Banco Mundial ao manicômio criado pela legislação do ICMS, nem sobre as distorções geradas pela substituição tributária”, critica.
Ele também contesta o cálculo de renúncia fiscal feito pela Receita, que estima qual seria a arrecadação caso as optantes pelo Simples pagassem imposto pelo regime de lucro presumido. “Se não fosse o Simples, as empresas não existiriam. Não haveria arrecadação alguma”, diz.
Uma pesquisa do Sebrae constatou que, se o regime fosse extinto, 67% dos pequenos negócios fechariam as portas, encolheriam ou passariam à informalidade. Seria um desastre social e econômico sem precedentes, alerta o presidente da entidade.
Ao fim de 2016, cerca de 11,6 milhões de empresas estavam enquadradas no Simples, das quais mais da metade eram microempreendedores individuais (MEI). O regime cobre 86% de todos os pequenos negócios do país, responsáveis por 17,2 milhões de empregos formais, ante 14,7 milhões de empregados nas médias e grandes empresas, conforme dados de 2015 do Sebrae e do Dieese.
‘Seleção natural tem de funcionar’
Os defensores do Simples gostam de enfatizar o papel do programa na redução da mortalidade das empresas. A taxa de sobrevivência nos dois primeiros anos é de 86% entre as optantes, e de apenas 38% nas demais, informa o Sebrae. Mas isso não é necessariamente positivo, avalia a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, citada por Afif entre os profissionais ligados ao mercado financeiro que são críticos do programa.
“As pessoas acham que tem que proteger o pequeno, para não quebrar. Tem que deixar quebrar, sim. Tem que funcionar a seleção natural. O Brasil tem muitas distorções e precisa eliminá-las gradualmente. A mortalidade das empresas deve cair por uma melhora no ambiente de negócios, e não porque elas foram protegidas”, diz Zeina.
Segundo a economista, a experiência internacional mostra que o ideal é incentivar as empresas inovadoras, independentemente do porte. “O Brasil tem muitas pequenas empresas com baixíssima produtividade. E o Simples não ajudou a torná-las mais competitivas.”
A inovação é questão controversa nesse debate. O presidente do Sebrae diz que são justamente os pequenos negócios que estão no comando da inovação. “O grande compra pronto, ou ajuda o pequeno a inovar”, diz. A literatura e as estatísticas mostram que não é exatamente assim. Mas também não renegam o papel das firmas de pequeno porte.
A mais recente Pesquisa de Inovação do IBGE, referente ao triênio 2012-2014, traz números aparentemente contraditórios sobre o tema. Segundo o levantamento, apenas 33% das empresas com dez a 49 funcionários fazem algum tipo de inovação. A taxa cresce conforme o porte do negócio, chegando a 65% entre as companhias com mais de 500 funcionários. Por outro lado, os gastos das pequenas que se arriscam nessa área são maiores. Aquelas com dez a 49 empregados investem em média 3,2% de sua receita líquida em inovação, ante 2,6% nas empresas de grande porte.
O próprio Joseph Schumpeter, economista austríaco que criou o conceito de “destruição criativa” e definiu as inovações tecnológicas como motor do capitalismo, defendeu visões distintas sobre o tema ao longo da vida. Inicialmente sugeriu que as pequenas e médias empresas, lideradas por empreendedores visionários, seriam a principal fonte de inovação de uma economia. Mais tarde, atribuiu esse papel às grandes, por lidarem melhor com a incerteza e as imperfeições de mercado e terem mais acesso a capital.
Novo teto de faturamento entra em vigor em janeiro
O estudo do Banco Mundial que critica o Simples foi apresentado pelo próprio governo, mas não há sinais de que o programa possa ser reduzido, muito menos extinto. Ao contrário. Uma mudança que começa a valer nos próximos dias até amplia sua abrangência.
O teto de faturamento do Simples será maior a partir de 1.º de janeiro. O programa passa a ter uma faixa de transição que atenua o aumento de imposto que hoje sofrem as empresas que superam o limite máximo de R$ 3,6 milhões por ano. Na prática, o teto de receita sobe a R$ 4,8 milhões, o que permite que mais empreendimentos se enquadrem no programa.
Atualmente, a empresa comercial que está no Simples arca com uma carga tributária média de 11,6%, segundo estimativa do Sebrae. Quando supera o teto de R$ 3,6 milhões e entra no regime de lucro presumido, o peso dos impostos salta para 17,9% de uma hora para a outra. Na indústria, a carga aumenta de 12,1% para 16,9% nessa passagem. Nos serviços, vai de 17,4% para 23,5%.
Para evitar esse degrau, muitos empresários omitem o verdadeiro faturamento ou desmembram suas empresas em vários CNPJs, de modo a continuar enquadradas no regime especial. Nas palavras do presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos, a regra que entra em vigor em 2018 transforma o “degrau” numa “rampa suave”.
Com a mudança, as firmas vão pagar imposto mais alto apenas sobre o montante que superar a faixa de R$ 3,6 milhões, de forma semelhante ao que ocorre com a tabela do Imposto de Renda. E continuarão enquadradas no Simples, desde que a receita anual não ultrapasse R$ 4,8 milhões. Se extrapolar, aí sim deixam o regime especial e passam a ser tributadas como empresas convencionais.
Essa era uma antiga demanda dos empresários. Segundo pesquisa do Sebrae, 64% deles acreditam que o Simples possa ser aprimorado. E a melhora mais citada é “tornar mais suave o aumento dos impostos quando a empresa crescer”, apontada por 15% deles.